Tecnologia

Como o vegetarianismo e o veganismo estão impulsionando a inovação na indústria?

Empresas brasileiras estão investindo cada vez mais em pesquisa e inovação para atender a demanda dos consumidores por menos proteína animal

Hambúrguer de grão-de-bico, carne de soja, leite vegetal, proteína de ar. Um mundo plant-based, como dizem. Se você faz parte das 50 milhões de pessoas vegetarianas ou veganas no Brasil, como estima a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), está por dentro de um vocabulário (e um cardápio) novo que vêm sendo construídos a partir de inovações em alimentos para atender a essa demanda crescente.

As novas necessidades desse grupo de consumidores têm impulsionado a inovação na indústria de alimentos. Um bom exemplo é a NICE Foods, fundada em 2019, por Paola Stier, de 29 anos, e Thiago Lorusso, de 36 anos. A empresa desenvolve laticínios vegetais concentrados, com ou sem glúten, sobretudo a base de aveia e castanha de caju.

Vegetariana desde os 14 anos, Paola adiou a vontade de ser vegana pela restrição de opções no mercado. “Fizemos uma viagem e vimos que lá fora o mercado estava extremamente desenvolvido. Aí que vi o quanto o Brasil tinha para evoluir nesse sentido”, conta.

Se a falta de oferta adiou uma escolha pessoal, não foi diferente quando o casal resolveu empreender no setor de alimentos. Também foi um desafio encontrar ingredientes livres de proteína animal.

“Era muito difícil encontrar fornecedores que tivessem certificações e produtos adequados, que conseguissem chegar no mesmo padrão de qualidade de ingredientes de produtos animais”, relembra Paola.

Serendipidade é a palavra usada pelos empresários para descrever a NICE Foods, porque foi no esforço de inovação para achar um substituto vegano ao espessante de sorvete, primeiro produto lançado por eles, que a dupla constatou o potencial do leite de castanha de caju.

O concentrado em forma de pasta era para ser um insumo, mas se tornou o carro-chefe do negócio: o NICE Milk, que viabilizaria o lançamento de vários outros produtos da marca.

A produção própria do insumo virou um ativo de crescimento, independência e distinção da marca no mercado. “Foi uma sacada porque a gente conseguiu crescer e ganhar notoriedade com méritos próprios. Fomos pioneiros nesse modelo aqui no Brasil. E ele tem seu impacto, porque os nossos consumidores mudaram mesmo os hábitos de vida”, avalia Paola.

O concentrado dá múltiplas possibilidades de uso ao consumidor, que, a partir de um produto só, pode fazer do leite ao creme de leite, como a própria marca ensina a fazer.

O que dizem as estatísticas?
Pelo menos 20% dos consumidores brasileiros escolhem uma opção vegana quando frequentam algum estabelecimento. É o que revelou uma pesquisa de 2021, feita pelo Instituto de Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (IPEC) a pedido da SVB. Foram ouvidas 2.002 pessoas maiores de 16 anos de todo o país.

37% dos entrevistados disseram que adaptaram a própria alimentação para não consumir carne pelo menos uma vez na semana – um percentual que tem aumentado nos últimos 5 anos.

Em outra pesquisa, feita em 2018 pelo Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística (IBOPE), constatou-se que 33% dos brasileiros consumiriam mais produtos veganos se a informação viesse na embalagem. Cerca de 8% dos entrevistados disseram ser vegetarianos naquele ano.

Para o vice-presidente da SVB, Ricardo Laurino, o papel da indústria nessas análises se divide em dois pontos: atendimento de expectativa e inovação.

“Quando a indústria consegue atender uma expectativa que o consumidor tem, por exemplo, apresentando carnes vegetais saborosas, leites vegetais, queijos, e desenvolvendo vários produtos que tenham essa similaridade, mas que também tenham um valor agregado de sabor, de preço e de acessibilidade de apresentação, consegue atender um conceito de alimentação”, explica.

“No segundo ponto, temos a própria inovação e a capacidade de olhar adiante que os empreendedores e a indústria podem ter, porque muitos dos produtos que hoje nós comemos, tempos atrás não eram e alguém encontrou formas de fazer com que isso se transformasse em um hábito de consumo. Então, a indústria pode também trazer inovação, no sentido de surpreender”, acrescenta Ricardo.

Carne de planta e carne impressa: nem o boi vai pastar
Ainda que muitos brasileiros venham adotando o vegetarianismo e o veganismo como bases alimentares, muita gente não está disposta a cortar a proteína animal do cardápio. Aí entra uma outra questão: como tornar a produção de carne mais sustentável? É bem possível que em um futuro muito próximo cortes impressos cheguem ao mercado.

A bioimpressão, que consiste basicamente no uso da tecnologia de impressão 3D para fabricar alimentos, tem sido uma aposta para criar o que os pesquisadores chamam de “carne cultivada”. Segundo a The Good Foods Institute (GFI), desde 2016 empresas do mundo inteiro investiram US$ 1,9 bilhão para desenvolver carne em laboratório.

A organização não governamental, sem fins lucrativos, monitora e trabalha pela produção e inovação para o desenvolvimento de proteínas alternativas na alimentação humana por meio de três categorias: carne à base de plantas, carne cultivada e a fermentação.

No Brasil, a carne impressa ainda está em fase de testes, mas deve chegar ao consumidor ainda este ano. O Instituto SENAI de Tecnologia em Alimentos e Bebidas e o Instituto SENAI de Sistemas Avançados de Saúde (ISI-SAS), em Salvador, figuram entre os laboratórios que testam a viabilidade da tecnologia.

À frente do projeto de desenvolvimento da carne bioimpressa do SENAI Cimatec, a doutora em engenharia química Tatiana Nery explica que o aumento da procura de produtos vegetais representa uma oportunidade significativa para indústria, já que a partir disso, existe a chance de inovar para atender essa demanda.

“Há uma necessidade de que a indústria invista em pesquisa e desenvolvimento para criar novos produtos que não sejam de origem animal, e sim a base de planta: o que chamamos de plant-based”, observa Tatiana.

Para a pesquisadora, inovar na alimentação é um desafio para a indústria, porque ainda não existe uma tecnologia específica de mimetizar os alimentos. “O desafio que a indústria tem é de imitar esses produtos de origem animal. Por exemplo, como chegar na cor, na textura e no sabor de um produto, usando uma fonte vegetal”, detalha.

Tatiana enfatiza como a inovação pode ser boa para a alimentação e cita a bioimpressão.

“Alguns recursos de tecnologia de inovação podem ser utilizados para isso: as tecnologias de processamento, desenvolvimento de novas tecnologias, a forma de você conformar esse elemento, de você produzir e dar forma a esse alimento. Isso também é uma inovação. Então, por exemplo, a tecnologia de impressão 3D pode trazer alguns benefícios. Você pode usar essa tecnologia de impressão para produtos em diferentes formatos e cores”.

 

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